Caxemira: entenda guerra entre Paquistão e Índia que assustou o mundo
A Caxemira é uma região montanhosa na Ásia de aproximadamente 220 mil quilômetros quadrados (km²) disputada entre Índia e Paquistão. A Índia controla 55% do território e o Paquistão, 30%. A China ainda possui 15% dessa área. Para entender a origem da guerra na Caxemira, a Agência Brasil consultou especialistas em relações internacionais e na história do subcontinente indiano.
De maioria mulçumana, a região foi palco de novo conflito entre Paquistão e Índia neste mês de maio, assustando o mundo para o risco de uma guerra de grandes proporções entre nações que possuem bombas nucleares. Até que um acordo de cessar-fogo suspendeu as batalhas.
Os combates ainda tiveram repercussão na indústria bélica global ao evidenciarem a superioridade dos caças chineses, usados pelo Paquistão, contra os caças franceses, utilizados pela Índia.
A guerra da Caxemira começou com o fim do período colonial em que a Inglaterra exercia o controle, desde o século 17, sobre a região então chamada Índias britânicas, que englobavam o atual território do Paquistão, da Índia e de Bangladesh.
Região da Caxemira – Arte/Agência Brasil
Raízes coloniais
Com a luta anticolonial liderada, entre outros, por Mahatma Gandhi, Londres abandona o território em 1947, mas antes decide dividir a região pelo critério étnico-religioso: cria-se um Estado de maioria mulçumana, o Paquistão; e outro de maioria hindu: a Índia, que possui, ainda hoje, uma importante minoria mulçumana de cerca de 30%.
O especialista em geopolítica Ronaldo Carmona, pesquisador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), explicou que grupos armados mulçumanos questionam o poder de Nova Delhi na Caxemira indiana. Em consequência, desde a independência, uma série de conflitos eclodiram naquela região, em 1947, 1962, 1971, 1989, 1999 e agora, em 2025.
Com 220 mil km², região da Caxemira é disputada pela Índia e pelo Paquistão – Foto: Reuters/Akhtar Soomro/Proibida reprodução
“É outro resquício do período colonial. Antes de ir embora, o Lorde Mountbatten, que foi o último governador-geral britânico das Índias, assinou acordo com o Marajá da Caxemira reconhecendo a região como indiana. Com isso, a Índia argumenta que, do ponto de vista jurídico, a Caxemira é indiana”, disse.
Por outro lado, o Estado paquistanês utiliza o princípio étnico-religioso para reivindicar a Caxemira. “Como a maioria da população da região é mulçumana, essa lógica deveria ter sido seguida também na apropriação da Caxemira pelo Estado paquistanês. Esses são os argumentos básicos”, completou Carmona.
Especialista em relações internacionais com foco na Ásia, Pedro Emilio Polli Rebelo, ex-consultor da Câmara de Comércio do Brics, contou que, no período pós-independência, a Caxemira era governada por uma liderança hindu, mas com a população de maioria muçulmana, o que gerou conflitos internos.
“A população mulçumana começou a se rebelar e, com a repressão do governo local, os mulçumanos do lado paquistanês começaram a ajudar os da Caxemira, o que, por sua vez, levou o governante hindu a buscar auxílio da Índia. Aqui começou a disputa por aquela região”, destacou Rebelo.
O especialista, que também é diretor executivo da São Paulo Negócios, agência de promoção de investimentos e exportações, acrescentou que, em 1949, ocorreu um cessar-fogo mediado pela Organização das Nações Unidas (ONU), com um acordo para divisão do território.
Em 1972, após outro conflito, foi firmado o Acordo de Ximelá, que levou à independência de Bangladesh, até então conhecida como Paquistão Oriental. Porém, os acordos não puseram fim ao conflito.
Água
A guerra da Caxemira tem entre seus objetivos, além do controle sobre a terra, o domínio sobre as águas. O pesquisador Pedro Rebelo, que ainda estudou ciência política na Universidade JiaoTong de Shanghai, na China, destacou que a Índia usa a ameaça de cortar o fornecimento de água ao Paquistão.
Homens da Caxemira pescam ao lado de barcos estacionados nas margens do Lago Dal – Foto: Reuters/Adnan Abidi/Proibida reprodução
“Numa questão estratégica, o Rio Hindu nasce na Índia, atravessa a Caxemira e corta o Paquistão de norte a sul até desaguar no Mar Arábico perto da cidade paquistanesa de Carachi, sendo o rio mais importante do país. Com isso, a Índia controla o fluxo de água para a região”, disse.
O pesquisador Ronaldo Carmona lembra que tanto a Índia quanto o Paquistão sofrem com escassez hídrica. “A Caxemira é colada no Himalaia e essas montanhas geram água. E também é uma região que tem minérios”, adicionou.
Conflito atual
O assassinato de mais de 30 turistas indianos por grupos armados da Caxemira – considerados terroristas por Nova Delhi e insurgentes por Islamabad – desencadeou o conflito deste ano, com retaliações dos governos nos dois lados da fronteira.
Para o especialista do Cebri, Ronaldo Carmona, as batalhas deste 2025 devem ser entendidas em um contexto mais amplo de mudanças geopolíticas globais com ascensão da China e a guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos (EUA).
“O mundo vive grande disputa em torno do que será a nova ordem mundial com o declínio da velha ordem surgida ao final da Guerra Fria. O contexto dessa guerra agora ocorre, ou decorre, desse grande conflito entre as superpotências”, comentou Carmona.
Ele avalia que os países, sobretudo os que têm capacidade militar e, nesse caso, capacidade nuclear, medem poder no cenário global. “Inclusive, eles desenvolveram armas nucleares por causa dessa disputa pela Caxemira. A guerra toma corpo de um conflito quase que existencial entre eles”, acrescentou.
Aviões chineses
As batalhas recentes entre os dois países repercutiram na indústria armamentista mundial. Isso porque os combates sugeriram a superioridade do caça de guerra chinês, chamado de Dragão Vigoroso e usado pelo Paquistão, contra os caças de guerra franceses Rafale, usados pela Índia, que viu cinco das suas aeronaves derrubadas pelos equipamentos vendidos por Pequim.
Pedro Rebelo destacou que os caças franceses são percebidos mundialmente pela sua alta qualidade em combate. “Contudo, devido às baixas francesas, as ações da Dassault caíram junto”, comentou.
O pesquisador Ronaldo Carmona acrescentou que as batalhas deste mês foram uma espécie de laboratório das capacidades militares chinesas, que tem relações próximas com o Paquistão.
“A China mantém, até hoje, certa rivalidade com a Índia, apesar de serem países do Brics. Nesse sentido, a força aérea paquistanesa compra muito material da China. A consequência imediata foi que dispararam as ações da empresa chinesa AVIC Chengdu Aircraft, que fabrica o J-10”, disse.
Além dos caças J-10, foram testados instrumentos de guerra eletrônica, mísseis e sistemas de radar. “Tudo isso fornecido pela China. Agora, há todo um debate na Índia sobre essa vulnerabilidade militar”, completou.
Agentes de segurança indianos montam guarda enquanto peregrinos partem para Meca para a peregrinação anual ao local mais sagrado para os muçulmanos, em Srinagar, Caxemira indiana, em 14 de maio de 2025 – Foto: Reuters/Sharafat Ali/Proibida reprodução
Cessar-fogo
Um acordo de cessar-fogo foi costurado pelos Estados Unidos, dando fim aos combates entre a Índia e o Paquistão. Contudo, os especialistas ponderaram que a trégua é frágil, e o impasse permanece sem solução à vista.
Ronaldo Carmona destaca que, para ambos os países, a questão da Caxemira é uma causa nacional, independentemente do perfil e orientação do governo de Nova Delhi ou de Islamabad.
“Para essas sociedades, existe um consenso em torno dessa questão. É uma causa de Estado. Por isso, é uma questão que, sinceramente, não vejo resolução”, finalizou.
O especialista Pedro Rebelo avalia que, apesar de frágil, o cessar-fogo deve perdurar. “Até porque o potencial de dissuasão é altíssimo já que ambos os países têm armas nucleares”, concluiu.