Megashow da Lady Gaga vale a pena para o Rio de Janeiro?
Eventos internacionais viram estratégia para movimentar economia. Mas falta clareza sobre destino de eventuais ganhos para as contas públicas.Enquanto esperam o megashow da cantora Lady Gaga no sábado (03/05), os arredores do palco na praia de Copacabana se preparam para um fim de semana de alto faturamento. A expectativa em bares, lojas, restaurantes e hotéis é, inclusive, superar os lucros do show da Madonna, que também aconteceu perto do Dia do Trabalhador no ano passado.
Fora do bairro da zona sul carioca, entretanto, surgem contestações sobre o quanto os investimentos milionários num evento de grande porte como este valem a pena para a cidade e se são um bom uso do dinheiro do contribuinte.
A maior parte das despesas será arcada pela iniciativa privada, mas a prefeitura do Rio de Janeiro e o governo do estado prometeram desembolsar R$ 15 milhões, cada, para viabilizar o espetáculo. A cifra representa um aumento de 50% em relação ao valor mobilizado para a apresentação de Madonna, que atraiu 1,6 milhões de pessoas.
O custo total está estimado em R$ 92 milhões, segundo o jornal O Globo. A produtora Bônus Track, responsável pela organização, angariou uma série de patrocínios de empresas como Santander, Corona e C&A.
Estratégia da prefeitura
Ainda assim, múltiplas publicações nas redes sociais questionaram a abertura dos cofres públicos para investimentos em entretenimento, apesar das graves deficiências em segurança pública, mobilidade, saúde e educação.
Numa mensagem compartilhada 8 mil vez no X (antigo Twitter), o deputado de extrema direita Nikolas Ferreira (PL) republicou o vídeo de uma mulher deitada no asfalto da Avenida Brasil, em meio a um tiroteio, acompanhado da legenda: “Ainda bem que o prefeito do RJ providenciou o show da Lady Gaga no Carnaval”.
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, rebateu a crítica e prometeu trazer uma estrela internacional todo mês de maio. Para os próximos anos, Paes já expressou desejo de promover shows da banda U2 e da cantora Beyoncé.
Sob a marca “Todo Mundo no Rio”, o objetivo seria consolidar a praia de Copacabana como palco de grandes apresentações musicais a céu aberto. No passado, multidões já se reuniram na orla para assistir a Rolling Stones, Rod Stewart, Roberto Carlos, Ivete Sangalo, entre outros. A diferença é que, desde a vinda de Madonna, a prefeitura quer consolidar um calendário oficial.
“‘Vai gastar dinheiro público com a Lady Gaga?’ Vou. Com a Madonna gastei também. Sabe por quê? Porque enche todos os hotéis, enche todos os restaurantes”, afirmou Paes, no podcast PodK Liberados.
Show deve movimentar R$ 600 milhões
Especialistas e empresários ouvidos pela DW, de fato, esperam um impacto positivo para a atividade econômica, sobretudo para o setor de turismo. No entanto, argumentam que falta transparência sobre a composição das despesas e o uso dos rendimentos que poderão chegar às contas públicas como resultado do aquecimento temporário da economia.
“Seria um ganho muito positivo se esses eventos que têm investimentos milionários também tivessem um plano de destinação desses recursos, pelo menos do ponto de vista público”, defende o professor Osiris Marques, da Faculdade de Turismo e Hotelaria da Universidade Federal Fluminense (UFF).
A expectativa é de que o show de Gaga gere quase R$ 600 milhões para a economia da cidade, de acordo com estimativas da secretaria municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE) e da Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur). Se confirmado, seria um retorno maior que o de Madonna, que rendeu R$ 469,4 milhões.
Os números refletem a estimativa da presença de 1,6 milhão de pessoas, mesmo volume observado no evento de maio do ano passado. Segundo o estudo, a composição do público seria semelhante ao do Réveillon: 85% de moradores da região metropolitana do Rio, 12% de turistas nacionais e 3% de estrangeiros.
Cada visitante brasileiro deve gastar, em média, R$ 515,84 por dia, enquanto os estrangeiros desembolsariam R$ 590,40 diariamente, ainda conforme a pesquisa. Já o gasto médio do carioca somaria R$ 133,60.
Aumento nas reservas de hotéis
Antes mesmo da chegada dos turistas, os setores de hotelaria e transportes estão entre os primeiros a perceber o aumento da demanda.
Para a semana do show, as buscas por passagens de ônibus ao Rio cresceram 170% em relação a igual período anterior à apresentação de Madonna, conforme levantamento da plataforma Clickbus em parceria com a Rodoviária do Rio. Cerca de 200 mil pessoas devem circular no terminal durante o final de semana.
Na plataforma de aluguel por temporada Airbnb, as pesquisas por acomodação aumentaram 2,5 vezes na mesma base comparativa, segundo revelou a empresa. Entre as reservas, 83% são para estadias de grupos com até quatro pessoas. Copacabana, Botafogo e Leme lideram a preferência dos hóspedes.
Já a ocupação dos hotéis cariocas supera a marca de 70% para o feriadão, de acordo com a prévia mais recente da HoteisRio. Copacabana (83,67%) e Ipanema/Leblon (82,10%) são as regiões mais procuradas.
Expectativas nas alturas
Todo esse contingente deve movimentar também os negócios nas redondezas de Copacabana. No Quiosque Arrastapé, que fica a poucos passos do palco onde Lady Gaga vai se apresentar, a procura dos fãs por uma reserva começou no dia seguinte ao anúncio do show em fevereiro.
O estabelecimento resolveu montar dois telões e não reservar mesas, contando que a movimentação será tão grande que mais vale a pena atender a multidão indo e vindo do que fechar mesas por valor fixo durante a noite toda.
Segundo Alessando Monteiro, relações públicas do quiosque, a movimentação da clientela supera a da Madonna, gerando expectativa de que o faturamento seja ainda maior. No ano passado, a noite do show da rainha do pop fez com que o lucro superasse em 30% uma noite comum. Então, o quiosque cobrou cerca de 200 reais por entrada individual, que poderiam ser revertidos em consumação.
“Meu telefone não para. As pessoas querem muito vir ao show e fazer uma reserva. Um grupo de 25 pessoas do Rio Grande do Sul, por exemplo, está insistindo por uma reserva, porque eles não querem de jeito nenhum ficar sem lugar”, diz Monteiro.
A nove dias do show, ele recebeu 25 pedidos de reserva ao longo de meio expediente. Segundo ele, a procura é principalmente de jovens, e eles vem de vários estados, sobretudo São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás e Minas Gerais. O quiosque poderá aumentar em até 20% o seu quadro de funcionários durante o feriadão de quatro dias, a depender do movimento no primeiro dia.
“Para a gente, é superimportante porque, quando há eventos da prefeitura e de grandes empresas, dá um levante no nosso faturamento. A gente consegue movimentar a nossa estrutura e dar oportunidade para quem está no mercado de trabalho. A maioria das pessoas chega antes do show, então nós vamos ter uma explosão de vendas de três ou quatro dias.”
Afinal, o investimento é válido?
Uma análise dos resultados do show da Madonna pode fornecer pistas sobre o retorno econômico que esse tipo de evento produz. Levantamento da empresa de serviços financeiros Cielo indicou salto de 12,1% no faturamento do turismo no Rio no final de semana em que a Rainha do Pop esteve no Brasil, na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Os ganhos foram mais expressivos nos setores de hotelaria (alta de 10,6%), transporte (16,7%) e supermercados (6,9%). O varejo total na cidade apresentou crescimento de 3,3% naqueles dias.
“Tudo isso gera impostos para a cidade”, ressalta Léo Morel, professor de MBAs em bens culturais da Fundação Getulio Vargas (FGV). “O evento levará a contratação de equipes para montagem, som e iluminação, mas há também uma geração indireta de empregas, com os ambulantes”, acrescenta.
O impacto tende a se alastrar por uma longa cadeia econômica que dissemina os benefícios para além dos envolvidos diretos no show, explica Osiris Marques, da UFF. Um hotel, por exemplo, amplia a compra de produtos com fornecedores para fazer frente ao aumento da demanda.
Assim, em geral, cada real gasto pelo turista se multiplica entre 2 e 2,5 vezes, pelos cálculos do Observatório do Turismo da UFF. “Como o show será o único da Lady Gaga no Brasil, os gastos ficarão concentrados no Rio de Janeiro. Haverá um impacto econômico importante”, ressalta Marques.
Impacto para a imagem do Rio
Mas há também consequências pouco mensuráveis, mas igualmente relevantes. Em particular, o professor cita uma melhora na imagem do Rio para o turismo, diante da exposição na mídia nacional e internacional. “O Rio de Janeiro acaba se consolidando como um grande salão de festas para o Brasil”, avalia Marques.
Esses eventos de grande porte podem, inclusive, gerar receita tributária que mitigue a dependência do estado em relação aos vultuosos, mas voláteis, royalties advindos da produção de petróleo. O turismo, então, serviria de alternativa ao ciclo econômico instável das commodities.
No entanto, essas ações deveriam fazer parte de um plano de desenvolvimento socioeconômico mais amplo que inclua uma comunicação transparente, afirma Marques. “Isoladamente, podemos dizer que, sim, o show vale a pena, mas em conjunto, poderíamos ter outras ações de fomento ao turismo como uma grande estratégia de desenvolvimento econômico”, argumenta.
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